quinta-feira, 12 de março de 2009

Ondjaki

No iníco, era uma mania escondida. Escrever era só um porto para encostar minhas internas comichões. Numa manhã, apanhei-me a querer esvoaçar sentimentos, como direi?, desengaiolar-lhes. Depois sim, vieram as estórias.


Eram tantíssimas. Eu era uma própria estória em movimento. Acusavam-me: você inventa...! Minha desatenção no escutar desembocava em meus aumentos no contar. Minha avó sorria, ela me estava a espreitar essa mania. E eu mesmo gostava de fazer colagens das estórias dos mais velhos – meu barro prematuro.


Então pus novas máscaras nas mentirinhas e nas invenções espontâneas e atrevi-me a escrevinhar. Desatei – com o coração – a admirar grandes artífices das letras. Surpreendi-me, intimidei-me: essas pessoas já cutucaram toda beleza do mundo..., eu sou o mais atrasado!


Mas nesse sítio mágico – a Humanidade, encontrei alguns simples mestres literários. Um me disse abruptamente: vá masé buscar seus próprios universos, não olhe de lado. Cada búzio, cada concha!


Aceitei-me. Minhas memórias, meus laços, minhas lágrimas. Li outros como quem cumprimenta mais velhos; e mesmo sem conhecer, entrei em conversações com alguns deles. Tudo numa contínua estreia da descoberta: a literatura me era já muito sagrada.


Estes momentos de aqui são tão «eu» que quase me encabula espreitar-lhes. Acompiladas salteadamente no tempo, estas estórias é que me sentenciaram: nós somos seu primeiro livro. Você, inversamente, é que renasceu nas nossas costas. Nunca mais deixámos de nos boleiar mutuamente, estóriasieu.


E – quando senti as palavras do Eduardo White acenderem-me uma deliciosa comichão, entrei em tréguas comigo mesmo: dentro tens alguém que te procura e que acordado te faz sonhar. Dentro, é no coração. Afinal, murmurei-me, esse «momento» chamado coração é o «aqui» mais próximo de cada um.


Assim me confesso.


Ondjaki

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