segunda-feira, 23 de junho de 2008

Há momentos assim... a felicidade abraçou-me e eu deixei...











(...)
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo

Mia Couto, Poema da Despedida


21-06-08



Para a Nana

Participando na invenção do seu nome...


Mia Couto

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Obrigada pai pela prenda...ainda não perdi a esperança de um dia a poder fazer eu...e chegar ao Namibe...

Quis a sorte que eu, que nem carta de condução tenho, me juntasse ao 3.º Raid Todo Terreno Kwanza Sul. É assim que durante 12 dias, integrada numa coluna de 17 viaturas, com mais 45 companheiros portugueses, angolanos e luso-angolanos, faço 3250 km por montes e vales, matas e florestas, desertos e praias, cidades e vilas, rios e lagoas. Vejo, uma e outra vez, nascer o sol para morrer depois, em poentes excessivos. Vou por caminhos vários, de asfalto e picada, de pedra solta e areia, atravesso rios, saltando pelos seus leitos secos ou cortando as sua águas, passo dunas e bordejo precipícios. A minha cabeça é um caleidoscópio, o horizonte forma um círculo perfeito, ouço todos os silêncios, distingo todas as cores. E dou graças a Deus por ter nascido.O que escrevo hoje é apenas um breve apontamento impressionista sobre a aventura que me leva através das Províncias de Luanda, Bengo, Kwanza Sul, Benguela, Namibe, Huíla, Huambo e Kwanza Norte. O todo-o-terreno tem a vantagem de quase nada lhe ser inacessível. Mas este tipo de raide tem, também, uma cultura própria que se percebe na disciplina, na entre-ajuda, no espírito de equipa, as viaturas ligadas constantemente por rádio, para avisar dos riscos imprevistos, mas também para contar histórias, anedotas, trocar memórias.É neste ambiente que vou olhando, bebendo a paisagem e anotando curiosidades como os trabalhadores chineses com o seu chapéu tradicional, asfaltando as estradas e parecendo nem saber onde se encontram. A pequena quitanda com o nome de Sport, Lisboa e Benfica, ou o barbeiro que se chama "entras feio, sais bonito", aquela palhota num pequeno quimbo que ostenta uma tabuleta com letras vermelhas onde se lê "gabinete de tratamento de doenças crónicas". Graças à força das viaturas e à perícia dos pilotos podemos afoitar-nos pelos caminhos do Dombe Grande e da serra da Neve num percurso entre Benguela e Namibe que acaba por durar 15 horas com uma curta paragem no deserto para comer umas sanduíches e - que luxo! - fazer café e saboreá-lo no meio daquela impressionante paisagem. Grandes cordilheiras com cactos gigantes, capim seco e a serra da Neve assim chamada pela abundância de quartzo que a cobre como geada. É um percurso com muita pedra, descidas abruptas, de solidão e silêncio, até que, já ao cair da tarde, vemos os primeiros animais, um grande número de babuínos negros que aparecem no topo dos montes e começam a sua descida em busca de água. A passarada também parece acordar de uma longa sesta e aquele mundo, que parecia fantasma, anima-se subitamente.E que dizer da baía dos Tigres, do percurso das dunas altas, desse mundo intocado e de total harmonia, habitat de focas, golfinhos, tartarugas gigantes, pelicanos e milhares de patos negros e mexilhões gigantes? Ou da imagem impressiva das crianças de uma pequena vila, sentadas nas suas cadeirinhas de plástico e segurando o seu precioso caderno e lápis, aprendendo debaixo de duas frondosas árvores? Ou do pequeno quimbo, antes do deserto, onde pastores mucubalis conversaram connosco em português? Como esquecer a emoção sentida, após tantas horas de deserto, ao chegar à pequena vila piscatória de Lucira? Ou o surpreendente jantar na foz do Cunene com mexilhões gigantes acabados de apanhar e uma fogueira acesa para afugentar jacarés e chacais? Ou o não menos surpreendente almoço no resort do Parque Nacional do Iona, numa sala dentro da rocha da própria montanha, com uma inesquecível garoupa grelhada e bom vinho a acompanhar? Ou o conforto inesperado do Grande Hotel da Huíla, todo restaurado, e a sua pastelaria portuguesa? Ou a elegância imutável do Hotel Terminus e da restinga do Lobito? Ou o primeiro mergulho no Atlântico Sul na praia da Baía Grande? Ou a generosa recepção no Namibe com música e teatro do melhor? Ou a subida dos "lacetes" da serra da Leba? Perante o que vejo construído, destruído ou em reconstrução - cidades, pontes, estradas e caminho-de-ferro - e o que ouço, sempre em português, não posso deixar de pensar no grande país que eles são e no grande país que nós fomos...


Maria José Nogueira Pinto

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Inventar estórias...


"Inventar estórias é o que todos escritores fazem. Parece uma necessidade da condição humana. Tem a ver com um desejo poético de inscrever no tempo, tempos que não tinham sido falados com palavras de dizer ou de escrever. Além de as convocar, gosto de ser assaltado por memórias. Mantêm-me desperto, atento e trazem-me ao quotidiano uma certa magia."


Ondjaki, escritor angolano, in "Jornal de Letras, Artes e Ideias"
Não podendo provar o arco-íris, as estrelas, o lume dos relâmpagos, as nuvens rubras contaminadas pela luz melancólica dos crepúsculos - comia flores.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

A CASA NA ÁRVORE








POESIA

Y fue a esa edad... legó la poesía a buscarme.
No sé, no sé de dónde salió,
de invierno o río.
No sé cómo ni cuándo,
no, no eran voces, no eran
palabras, ni silencio,
pero desde una calle me llamaba,
desde las ramas de la noche,
de pronto entre los otros,
entre fuegos violentos
o regresando solo,
allí estaba sin rostro
y me tocaba.

Yo no sabía qué decir,
mi boca no sabía nombrar,
mis ojos eran ciegos,
y algo golpeaba en mi alma,
fiebre o alas perdidas,
y me fui haciendo solo,
descifrando aquella quemadura,
y escribí la primera línea vaga,
vaga, sin cuerpo, pura
tontería,
pura sabiduría
del que no sabe nada,
y vi de pronto
el cielo
desgranado
y abierto,
planetas,
plantaciones palpitantes,
la sombra perforada,
acribillada
por flechas,
fuego y flores,
la noche arrolladora,
el universo.

Y yo, mínimo ser,
ebrio del gran vacío
constelado,
a semejanza,
a imagen del misterio,
me sentí parte pura del abismo,
rodé con las estrellas,
mi corazón se desató en el viento.

- Pablo Neruda

LOS AMOROSOS

Los amorosos callan.
El amor es el silencio más fino,
el más tembloroso, el más insoportable.
Los amorosos buscan,
los amorosos son los que abandonan,
son los que cambian, los que olvidan.
Su corazón les dice que nunca han de encontrar,
no encuentran, buscan.

Los amorosos andan como locos
porque están solos, solos, solos,
entregándose, dándose a cada rato,
llorando porque no salvan al amor.
Les preocupa el amor. Los amorosos
viven al día, no pueden hacer más, no saben.
Siempre se están yendo, siempre,
hacia alguna parte.
Esperan,
no esperan nada, pero esperan.
Saben que nunca han de encontrar.
El amor es la prórroga perpetua,
siempre el paso siguiente, el otro, el otro.
Los amorosos son los insaciables,
los que siempre ¡qué bueno! han de estar solos.

Los amorosos son la hidra del cuento.
Tienen serpientes en lugar de brazos.
Las venas del cuello se les hinchan
también como serpientes para asfixiarlos.
Los amorosos no pueden dormir
porque si se duermen se los comen los gusanos.

En la obscuridad abren los ojos
y les cae en ellos el espanto.

Encuentran alacranes bajo la sábana
y su cama flota como sobre un lago.

Los amorosos son locos,
sólo locos, sin Dios y sin diablo.

Los amorosos salen de sus cuevas
temblorosos, hambrientos,
a cazar fantasmas.
Se ríen de las gentes que lo saben todo,
de las que aman a perpetuidad, verídicamente,
de las que creen en el amor como en una lámpara
de inagotable aceite.

Los amorosos juegan a coger el agua,
a tatuar el humo, a no irse.
Juegan el largo, el triste juego del amor.
Nadie ha de resignarse.
Dicen que nadie ha de resignarse.
Los amorosos se avergüenzan de toda conformación.

Vacíos, pero vacíos de una a otra costilla,
la muerte les fermenta detrás de los ojos,
y ellos caminan, lloran hasta la madrugada
en que trenes y gallos se despiden dolorosamente.

Les llega a veces un olor a tierra recién nacida,
a mujeres que duermen con la mano en el sexo,
complacidas,
a arroyos de agua tierna y a cocinas.

Los amorosos se ponen a cantar entre labios
una canción no aprendida.
Y se van llorando, llorando la hermosa vida.

- Jaime Sabines

LA LUNA

La luna La luna se puede tomar a cucharadas
o como una cápsula cada dos horas.
Es buena como hipnótico y sedante
y también alivia
a los que se han intoxicado de filosofía
Un pedazo de luna en el bolsillo
es el mejor amuleto que la pata de conejo:
sirve para encontrar a quien se ama,
y para alejar a los médicos y las clínicas.
Se puede dar de postre a los niños
cuando no se han dormido,
y unas gotas de luna en los ojos de los ancianos
ayudan a bien morir


Pon una hoja tierna de la luna debajo de tu almohada
y mirarás lo que quieras ver.
Lleva siempre un frasquito del aire de la luna
para cuando te ahogues,
y dale la llave de la luna
a los presos y a los desencantados.
Para los condenados a muerte
y para los condenados a vida
no hay mejor estimulante que la luna
en dosis precisas y controladas

Jaime Sabines
Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros - cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?

Fernando Pessoa

segunda-feira, 16 de junho de 2008

quinta-feira, 5 de junho de 2008

"Para atravessar contigo o deserto do mundo"

"Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento."

poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Livro Sexto"

Mia Couto

"Ainda hoje encontro inspiração nessa habilidade de desencantar brilhos entre a terra suja (...)."

"Gosto de Palavras que sabem a terra"

"Gosto das palavras que sabem a terra,
da água, dos frutos de fogo no verão,
dos barcos no vento;
gosto das palavras lisas como seixos,
rugosas como o pão de centeio.
Palavras que cheiram a feno e a poeira,
a barro e a limão, a resina."


Amos Oz, escritor

Artur Bual





Dava jeito!!!

E como me dava jeito endoidecer,
ter uma ignorância de aço,
e funcionar apenas
como um motor,
anestesiado em pistons
e bielas,
uma máquina
sem ter o trabalho de pensar.