Uma mulher a cair do céu.
Contei os segundos entre o instante do relâmpago e o do trovão – um, dois,
três, quatro, cinco, seis, sete. Depois multipliquei por trezentos e quarenta, a
velocidade do som em metros por segundo, para calcular a distância a que
caíra o primeiro raio: dois quilómetros, trezentos e oitenta metros. Calculei o
segundo, o terceiro, o quarto. A tempestade avançava veloz na nossa
direcção. Soube onde iria cair o quinto raio um instante antes que o céu se
abrisse.
Kianda estava cerca de cem metros à minha frente e avançava,
avançava sempre, como num palco, empurrada pela luz. Os sapatos
afundavam-se na terra, vermelho laca sobre vermelho velho. Ao longe
dançavam palmeiras. Ainda mais ao longe erguia-se a sólida silhueta de um
imbondeiro. Kianda caminhava muito direita, de rosto erguido, as belas
mãos, de dedos longuíssimos e finos, cruzadas sobre o peito. A luz era uma
substância dourada e densa, quase líquida, à qual se colavam folhas secas,
papéis velhos, a fina poeira afogueada, matéria que o vento ia erguendo
nos seus braços tortos.
O meu amor continuava a avancar de encontro à massa negra das nuvens.
Barroco Tropical, a lançar em Junho pela Dom Quixote.
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