Pronto. Já escuto as vozes dos que me vêm buscar. Vou fechar este escrito, fechando-me eu nele. Esta é a minha última carta. Antes, já tinha deitado minha voz no silêncio. Agora, calo as mãos. Palavras valem a pena se nos esperam encantamentos. Nem que seja para nos doer como foi meu amor por Vasto. Mas eu, agora, estou incapaz de sentimento. Me impenetrei em mim, ando em aprendizagem de fortaleza. No final de tanta linha já sei a quem deixar esta carta. A Marta Gimo. Foi ela a última pessoa a me escutar. Seja em seus olhos que me despeço da última palavra. Agora, vou sonhar-me.
No início, me inconsolava com este degredo. Para além da enfermaria, não tinha com que desocupar o tempo. De tal maneira que deixei de sonhar. Só os pesadelos me visitavam. Eu estava aleijada desse órgão que segrega as matérias do sonhar. Eu estava doente sem doenças. Sofria dessas maleitas que só Deus padece. Aconteceu assim: primeiro, me acabou o riso; depois, os sonhos; por fim, as palavras. É essa a ordem da tristeza, o modo como o desespero nos encerra num poço húmido. (...)Foi nesse afundamento que me apaixonei por Vasto. O amor não é o irremediável remédio? Um dia, ele se chegou e me surpreendeu em flagrante lágrima. Me enxugou o rosto. Não sei se conhece o mandado: quem limpa lágrima de mulher fica amarrado em nó de lenço?
Mia Couto
companheiro do sentir
encantador de palavras
fazedor de ternura
dono de palavras que ainda não nasceram...
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