quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Quem conta um conto…




“Toda a gente sabe contar uma história.” Será? Dois contadores profissionais falam da importância dos contos e de uma ou outra regra para narrá-los bem. Tem de ser um acto de amor, dizem.


Stória, stória

Furtuna di Séu, ámen


As histórias da noite fazem parte de um ritual sagrado para muitas crianças, que muitas vezes é profanado pela falta de tempo, cansaço, má-disposição… Vale a pena não desistir. Todos concordam: os contos são fundamentais para alimentar o imaginário. Contá-los é um acto de amor, dizem os contadores.

E dizem também que o melhor é pôr os livros de lado e contar, olhos nos olhos, que há um menino que ganhou asas para procurar o ó-ó; que um lobo se aproxima do jardim onde brinca o Pedro; que uma carochinha anda à procura de marido. Uma história é sempre melhor quando não há barreiras entre o narrador e o ouvinte.

Também ajuda lembrar as histórias que nos contavam os avós, os pais, os professores. É bom recordar situações de infância, diz António Fontinha, contador de contos profissional. Há um mundo, que tem a ver com a memória, que é aquele que se está a tentar reacender. Temos de fazer arqueologia: ir aos sítios a que a memória está ligada, falar com as pessoas.

O conto é importante para ajudar a desenvolver o espaço da oralidade em casa. Temos de reconstruir o espaço da oralidade para conviver ao nível do imaginário.

Não há receitas para contar bem uma história, porque o que serve a um pode não servir a outro. Mas, diz, pode haver algumas técnicas: a repetição é uma regra de ouro. As personagens ganham vida com o tempo. Começa-se a experimentar coisas. Diz-se que quem conta um conto acrescenta um ponto. É esse ponto, o pormenor, que vai evoluindo.

Isso também só acontece com as histórias que dão prazer contar. O que leva à segunda regra: Nunca devemos contar um conto de que não gostamos.

Toda a gente sabe contar uma história, defende o contador cabo-verdiano Horácio Santos. E, recorrendo também ao ditado popular, o contador acrescenta: A forma de contar é que é o ponto. Ninguém conta a mesma coisa da mesma maneira. Horácio Santos prefere também ter as mãos livres de livros e recorrer à memória. Com um livro perde-se a capacidade de recriar. Quando conto, desdobro-me em personagens. O livro prende o contador e parte o entusiasmo.

Para o contador cabo-verdiano, todas as histórias são boas para crianças, mesmo as que têm violência. No original, o Capuchinho Vermelho morreu. Qualquer história tradicional, popular, tem partes violentas. Podem, no entanto, evitar-se certas palavras, procurar outras que acertem melhor.

Horácio Santos começa sempre as suas sessões de histórias com uma tradição trazida de Cabo Verde:


Stória, stória

Furtuna di Séu, ámen

(História, história, dádiva do céu, ámen)


Porque um conto é uma graça divina. Todo o tempo dedicado a contar uma história é um tempo fértil, que germinará, diz por sua vez Fontinha. Tudo o que se dá à terra, a terra devolve. A terra não é madrasta. O imaginário, transmitido pelos contos, também não. É um património que acompanha as crianças, que as cultiva. Um contador de histórias é sempre um educador: os contos passam valores , continua Fontinha.

E é também por isso que Horácio Santos defende um trabalho depois da história: terminado o conto, há que identificar os elementos, ambientes, personagens, para que a criança possa descodificar e recontar o que ouviu: Fazer o exercício da memória. Neste processo, a criança estabelece o diálogo com os pais.

Fontinha sugere que os adultos entrem agora no mundo do narrador e que não o esgotem nos próximos anos, apenas enquanto os filhos são crianças; pelo contrário, defende que este papel deve ser prolongado por toda a vida. O resultado será uma forte cumplicidade entre pais e filhos. E uma recuperação da tradição oral.


in análise de contos, contadores, contos, contos infantis, crianças, educação, escola, família, fantasia, imaginação, pedagogia, relações humanas, simbologia,

Sem comentários: