..."Numa das noites, os seus olhos já mais fechados do que abertos, fixaram-se na lua. Estava cheia, redonda, perfeita. Por uns segundos sentiu-se bem a olhá-la assim. Não havia mais nada na noite: apenas ele e a lua. Quando adormeceu, viu que a lua ia crescendo, crescendo e se aproximava de si, insegura, trémula como uma bola de sabão. Começou a ver ao perto todos os desenhos que há na lua e que sempre vira, indecifráveis, ao longe. Era a lua da sua aldeia. Era a mesma que, de tempos a tempos, desaparecia por uns dias e depois voltava e ia crescendo até ficar como a via agora e como na realidade é. Era a mesma lua que dava profundidade aos uivos dos animais, corpo à noite e desenhava a sombra dos que caminhavam na noite.
Começou a ver claramente as suas montanhas de prata e as crateras onde podia jogar às escondidas com Rashid. Pensava todas estas coisas quando Rashid surgiu imprevistamente de uma cratera com o seu sorriso de alquimista de sonhos e lhe saiu ao caminho para o assustar. Bashu não se assustou, porque nenhum medo ou susto podia quebrar o encantamento e a alegria de rever Rashid.
-Não achas que o mundo seria melhor se não houvesse homens?
- Não, Rashid, porque se não houvesse homens não havia mundo. Só havia coisas sem nome.
- Não havia mal...
- Nem bem, Rashid. Só havia coisas sem nome.
-E para que precisamos do nome das coisas?
- Para chamá-las, Rashid.
E começaram a correr entre as crateras e a brincar como se fosse a primeira vez que brincavam. construíram pontes, baloiços e espantalhos. Jogaram às pedrinhas. tomaram banho nas crateras onde havia uma água tão límpida que não parecia água, parecia luz. Conversaram, inventaram histórias, desenharam árvores. Ouviram o uivar dos lobos. Seguiram as sombras que caminhavam sozinhas. Tocaram música num alaúde. Inventaram brinquedos novos e palavras novas para os chamar. Subiram pelos braços da lua e tocaram a sua face bela. Trocaram de sítio uma bandeira que encontraram e cujas estrelas se tinham apagado. Colheram narcisos e outras flores com foice de prata que há na lua.
E foi quando estavam na montanha mais alta da lua que ela começou a diminuir de tal maneira que deslizaram vertiginosamente pela encosta até chegarem à planície. Mas as próprias montanhas desapareciam à medida que a lua diminuía. Rashid e Bashu abraçaram-se, não por medo mas de alegria, pois sabiam que nada de mal lhes ia acontecer. Quando todo o espaço tinha desaparecido, Bashu acordou e ficou muito tempo a olhar os movimentos da floresta sem vontade nenhuma de levantar-se e caminhar.
Pensava como era diferente o tempo na lua e como era diferente a vida na companhia de Rashid. E como lhe apetecia voltar para trás, pelo caminho dos sonhos.
- Porque morrem os sonhos?"...
Excerto do livro "O CRESCER DAS ÁRVORES" de NUNO IGINO
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