quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pois...

A nova ministra

"Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas."

— Meu querido marido, escutou o noticiário?
— Não. Há novidades importantes?
— Diz o noticiário que você deixou de ser ministro.
— Afinal, eu ainda era ministro?
— Disseram que era. Não sabia?
— Tinha uma vaga idéia. Mas acho que se enganaram, também estes jornalistas divulgam cada coisa, sabe como é: jornalismo preguiçoso...
— Mas aquilo era um comunicado oficial. E disseram claramente o seu nome. Eu não fazia ideia.
Pensei que era só empresário.
— Ai é? Saí no noticiário? Mostraram a minha foto?
— Não. Mas, diga-me lá, marido, você era Ministro de quê?
— Ministro dos Assuntos Gerais. Uma coisa assim...
Já agora, você reparou se disseram quem era o novo ministro?
— É um dos anteriores vice-ministros.
— Afinal havia mais que um?
— Havia sete vice-ministros.
— Sete? Eh pá, aquilo não era um Ministério, era um Vice-Ministério.
— Fica triste, marido?
— Bom, pá, paciência. Mais importante são os meus cargos nas 15 grandes empresas.
— Ontem, no nosso jantar, você disse que eram 35...
— Minha querida, você escutou mal. Não há, no país inteiro, 35 grandes empresas. Aliás, a maior parte dos empresários de sucesso ainda anda à procura de empresas.
— Não entendo essa matemática.
— É que, no nosso país, há mais empresários que empresas.
— Trinta e cinco...
Trinta e cinco são os nossos anos de casados. E estou tão orgulhosa de si, meu ex-ministro, você foi sempre tão ambicioso...
— Ambicioso, não. Ganancioso.
— E qual é a diferença?
— O ambicioso faz coisas. O ganancioso apropria-se das coisas já feitas por outros.
— Você apropriou-se de mim que fui feita por outros.
— Isso é verdade, cara esposa. Uma coisa é verdade: vai-me fazer falta o poder.
— O poder? Não me diga que lhe está faltar o poder, marido?
— Alto lá, falo apenas do poder político. Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas.
— Mas, marido, eu também tenho empresas, você diz que colocou uma data de empresas em meu nome.
— Tem razão, minha querida. Vou usar das minhas influências e pedir para você ser nomeada Ministra.
— Eu, Ministra? Para quê?
— Que é para, a partir da agora, você abrir empresas em meu nome.

Crónica de Mia Couto, no Página Um, 9 de Abril

Sem comentários: