domingo, 23 de março de 2008

Quando vieres

«Quando vieres
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o seu cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.
Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.

Quando vieres
Nenhum de nós dirá nada
Mas a mãe largará o bordado
O pai largará o jornal
As crianças os brinquedos
E abriremos para ti os nossos corações.

Pois quando vieres,
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora

Maria Eugénia Cunhal

Regar plantas como quem rega palavras...




«Regas as plantas, como eu rego as palavras

Elas nascem no meio das frases e eu

Corto aquelas que estão a mais. . .

Porque, assim como tu preferes uma única rosa que seja bela

Eu prefiro uma palavra simples que diga tudo.»

Maria Eugénia Cunhal

quarta-feira, 19 de março de 2008


De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)




O Menino Que Fazia Versos


- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família ?
- Desculpe, doutor ?
O médico destrocou-se por tintins, Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava-a bem, nunca lhe batera mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:
- Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação. Sim, perfume de igual qualidade qual outra mulher pode sequer sonhar ? Pobres que fossem os dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e a escola do miúdo. Mas eis que começam a aparecer, pelos recantos da casa, papeis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
- São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual ? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto ?
Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
- O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões, e sobretudo lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era por cobro àquela vergonha familiar.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
- Dói-te alguma coisa ?
- Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: está a ver, doutor ? Está ver ? O médico voltou a erguer o olhos e a enfrentar o miúdo:
- E o que fazes quando te assaltam essas dores ?
- O que melhor sei fazer, excelência, é sonhar.
Serafina voltou à carga e sapateou a nuca do filho. Não lembrava o que pai lhe dissera sobre os sonhos ? Que fosse sonhar longe ! Mas o filho reagiu: longe, porquê ? Perto, o sonho aleijaria alguém ? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.
O médico estranhou o riso. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, já inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:
- Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clínica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.
Na semana seguinte foram os últimos a serem atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos ? O menino não entendeu.
- Não continuas a escrever ?
- Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho esse pedaço de vida - disse, apontando um novo caderninho - quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.
- Não temos dinheiro, fungou a mãe entre soluços.
- Não importa, respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica que o menino seria sujeito a devido tratamento.
Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto de internamento do menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração.

Mia Couto in " O Fio das Missangas"

segunda-feira, 10 de março de 2008


“…pensar que um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir ainda uma e outra vez…”

Milan Kundera




sábado, 8 de março de 2008

8 de Março Dia da Mulher



















"A imagem da morte deve ser como a imagem de um espelho que nos ensina o quanto a vida é um sopro passageiro"


Shakespeare


Sim a morte deveria ensinar-nos o quanto a vida é passageira, rápida e intensa, como a luz de uma vela que rápidamente se apaga ...
Hoje dia da mulher despedi-me de ti, MULHER mãe, MULHER batalhadora, MULHER divertida, MULHER linda, MULHER... porque não podemos escolher o dia da despedida o teu foi hoje!


ADEUS PRIMA

sexta-feira, 7 de março de 2008

"il y a ceux qui se rencontrent et ceux qui se reconnaissent"